quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O talento de Fernando Portela

Por Luthero Maynard 
Livro de contos sintetiza a arte da narrativa curta, cujas palavras são empregadas com a precisão de jornalista experimentado, a sensibilidade, o estilo e o humor de autor clássico e a imaginação de artista das palavras.
Fernando Portela é mestre reconhecido em dois ofícios dos mais difíceis de se ganhar notoriedade consistente por mais de 24 horas: jornalismo e literatura. No jornalismo, assinou reportagens hoje referenciais para os estudantes das (mal) chamadas faculdades de comunicação social. É o caso das reportagens que revelaram para o público a guerrilha do Araguaia (1979), sistematicamente ocultada da opinião pública pela ditadura militar então no poder.
Matérias que deram origem ao livro “Guerra de Guerrilhas no Brasil - A Saga do Araguaia”, modelo do que mais bem produziu o jornalismo investigativo (e, raro, raríssimo, com sabor literário) no país. Na literatura, Fernando Portela é refinado autor de contos para jovens e adultos — inclusive um livro infantil —, livros paradidáticos e romances.
Com “Allegro - Tragicomédias, Delírios, Realismo, Ambigüidades” (Editora Terceiro Nome, prefácio de Humberto Werneck, outro mestre, 416 págs., R$ 38), Fernando Portela supera-se na arte da narrativa curta, cujas palavras são empregadas com a precisão de jornalista experimentado, a sensibilidade, o estilo e o humor de autor clássico e a imaginação delirante de artista das palavras.
“Alegro” reúne 91 contos — pode-se assim dizer, pois não se prendem à estrutura convencional do gênero (se é que existe) — que vagueiam, sem pudor, por todos os caminhos oferecidos pela escrita literária, tendo em comum apenas a excelência do estilo. Por exemplo, “Violentadas”, o conto de abertura, é o anticlímax (de humor demencial) do sentimento de medo produzido pela violência urbana. Três amigas, Ermínia, Cleíse e Maria Rios são rendidas no apartamento por um (falso?) encanador, o Gumercindo. Ele não quer dinheiro ou violentá-las: apenas vê-las peladas. Depois de uma improvisada (e deliciosa, também para o leitor) sessão de strip-tease, Gumercindo — já tratado carinhosamente de Gu pelas garotas — vai embora. E volta na noite seguinte e nas seguintes. A reflexão final de Ermínia é antológica: “O Gu, também, coitado, é um carente; no fundo, uma boa pessoa. Não vamos chamá-lo de amigo, mas... pra tarado, é dos mais discretos.” Resistir, quem há de? Corra comprar e se deleitar.

(Resenha publicada em 08.07.2003, no jornal O Diário de S. Paulo)

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